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IMAGENS NA EMERGÊNCIA

Avaliação do posicionamento do tubo traqueal no interior do esôfago em um paciente com queda de saturação pós-intubação

Patrícia Lopes Gaspar

DOI: https://doi.org/10.5935/2764-1449.20220015

RELATO DE CASO

Paciente, 58 anos, da entrada no departamento de emergência com insuficiência respiratória aguda, há 3 dias. À admissão hospitalar paciente encontra-se normotenso, taquicardico com frequencia cardíaca de 108 bpm e uma saturação em máscara de reservatório de 91%, fazendo uso de musculatura acessória. Realizada intubação orotraqueal por sequência rápida de intubação, por meio de laringoscopia direta, tubo nº8.0, sem intercorrências. Checado posicionamento do tubo por meio da ausculta pulmonar, com dúvida quanto a presença de murmúrios ventriculares bilaterais. Logo após a intubação, evoluiu com dessaturação com rápido decréscimo. Decidido avaliar o posicionamento do tubo por meio do ultrassom beira leito com transdutor linear, com achado do dispositivo no interior do esôfago. Logo que identificado, foi retirado o tubo esofágico, reoxigenado com bolsa válvula máscara e posteriormente reintubado com checagem simultânea por meio do ultrassom na região anterior do pescoço, com procedimento realizado com sucesso e tudo localizado no interior da traqueia.

 

INTRODUÇÃO

O correto posicionamento do tubo endotraqueal é essencial para garantir o manejo da via aérea do paciente crítico. Sabemos que a intubação esofágica não reconhecida de forma precoce pode trazer inúmeros riscos ao paciente, aumentando significativamente sua mortalidade.

A técnica padrão ouro para verificação primaria do posicionamento do tubo é a capnografia quantitativa de onda. Porém, ainda não há uma ampla disponibilidade nos serviços de emergência e terapia intensiva, não havendo também profissionais suficientes treinados para seu uso.

O uso da ultrassonografia point-of-care (POCUS) para checagem do posicionamento do tubo no interior da traqueia tem inúmeras vantagens que tornam seu uso cada vez mais aceito. Além de ser isento de riscos, pode ser feito beira leito simultaneamente ao procedimento de intubação, podendo ser repetido quantas vezes forem necessárias. Não é necessário mobilizar o paciente para realização de exame radiográfico e não tem incidência de radiação. Sua grande vantagem é conferir uma rápida tomada de decisão, no caso de intubação esofágica, com a imediata retirada do tubo do esôfago e reposicionamento no interior da traqueia, garantindo maior segurança ao paciente e evitando insuflação do estômago. Tem como desvantagem ser examinador dependente, mas tem uma curta curva de aprendizado.

A associação da técnica de visualização direta do posicionamento do tubo na traqueia por meio do POCUS no pescoço anterior associada a visualização do deslizamento pleural bilateral por meio do POCUS pulmonar, ganham maior vantagem em relação a capnografia, pois podem ser aplicadas inclusive nos pacientes com baixos valores de débito cardíaco.

Os demais métodos de checagem de intubação utilizados são falhos, e trazem consigo muitas falsas confirmações do correto posicionamento do tubo traqueal. Entre eles a elevação do tórax bilateral, a visualização da condensação no interior do tubo, realização de raio x de tórax, dentre outros.

 

TÉCNICA

A realização do exame pode ser feita em posição supina, feita com transdutor linear de alta frequência ou curvilíneo de baixa frequência. O aparelho é posicionado na região do manúbrio supra esternal, com o probe na posição transversal do pescoço anterior.

O processo de aquisição de imagem é chamado de protocolo T.R.U.E (tracheal rapid ultrasound exam), e tem uma alta sensibilidade e alta especificidade para identificar a intubação esofágica.

A imagem única da interface ar-mucosa, correspondendo a traqueia, deve ser visualizada para confirmar que não há tubo posicionado no esôfago do paciente. Esse artefato de reverberação posterior da imagem traqueal é também chamado de rabo de cometa, como mostra a Figura 1. Caso haja intubação esofágica, o canal anteriormente fechado (Figura 2), passa a estar aberto com o tubo em seu interior, onde visualizamos dois artefatos de rabo de cometa, com duas interfaces ar-mucosa com sombra posterior, visualizado na posição póstero-lateral a traqueia, como mostra a Figura 3.

 


Figura 1: Traqueia com o artefato de reverberação que remete ao “rabo de cometa” (fonte: o próprio autor)

 

 


Figura 2: Esôfago com sua luz fechada, lateralmente a traqueia (fonte: o próprio autor)

 

 


Figura 3: Intubação esofágica com o sinal do duplo lumen, onde é visto o aparecimento não só da traqueia a direita da figura, quanto do esôfago a esquerda da tela com o seu lumen aberto, devido ao tubo orotraqueal em seu interior. (fonte: o próprio autor)

 

Existe ainda uma maior acurácia do método dinâmico (avaliação da imagem simultaneamente a passagem do tubo) com relação ao método estático (quando já houve a introdução do tubo).

Apesar de alta especificidade e sensibilidade, podem ocorrer falsos positivos (apontar outras estruturas que não sejam o esôfago) e falsos negativos (esôfago pode estar muito posterior a traqueia e não ser rapidamente identificado)

 

CONCLUSÃO

Com o advento de aparelhos de ultrassom cada vez mais portáteis, podemos utilizar a ferramenta como adjunto do exame físico. E especificamente na situação de checagem de posicionamento do tubo orotraqueal, traz a vantagem de poder ser feito de maneira dinâmica com o procedimento de intubação. Logo, podemos definir como um elemento importante na tomada de decisão, garantindo maior segurança e agilidade nas condutas médicas, reduzindo as complicações de intubações esofágicas e insuflações do estômago.

 

REFERENCIAS

1. Hall et al. Ultrasound evaluation of the airway in the ED: a feasibility study. Crit Ultrasound J (2018) 10:3

2. Kristensen et al. Ultrasonography for clinical decision-making and intervention in airway management: from the mouth to the lungs and pleurae. Insights Imaging (2014) 5:253–279

3. Osman and Sum. Role of upper airway ultrasound in airway Management. Journal of Intensive Care (2016) 4:52

4. Chou et al. Tracheal rapid ultrasound exam (T.R.U.E.) for confirming endotracheal tube placement during emergency intubation. Resuscitation 82 (2011) 1279-1284

5. Lun et al. Investigation of the Upper airway anatomy with ultrasound. Ultrasound Quarterly 2016;32:86Y92

6. Singh et al. Use of sonography for airway assessment. J Ultrasound Med 2010; 29:79–85


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